Nove cavalos criados na chácara Dia de Sol, na zona rural de Guarulhos, na Grande São Paulo, morreram nos últimos dois meses após consumir rações da empresa Nutratta Nutrição Animal Ltda. Duas mortes ocorreram nesta terça-feira (1º), segundo o comerciante e criador Marcos Barbosa afirmou ao g1.
“Um cavalo passou a noite rodando em círculos numa baia e uma égua estava querendo morder a parede. Com todos os animais foi assim, é como se fosse uma demência”, disse.
No último dia 17, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) determinou o recolhimento de todos os produtos da empresa destinados a equídeos produzidos a partir de novembro de 2024 e iniciou uma investigação para apurar as mortes. Em um ofício no dia 25, proibiu também a comercialização e afirmou que constatou a presença de substâncias tóxicas em rações para cavalos.
A pasta emitiu um ofício que relaciona o consumo das rações aos casos confirmados de intoxicação e morte de animais em diversas regiões do país, que vem ocorrendo desde abril deste ano. As análises foram feitas com base em exames clínicos, necropsias e evidências laboratoriais (veja mais abaixo).
A proibição, no entanto, chegou tarde ao haras de Barbosa, que registrou a primeira morte em 16 de maio. Logo depois, o comerciante recebeu um telefonema de amigos relatando que outros cavalos também morreram. Ele suspendeu o uso da ração no mesmo dia, mas cerca de 30 animais já tinham consumido o produto.
Segundo ele, que há cinco anos trabalha com cavalos do estilo marchador e nunca tinha visto algo parecido, os animais apresentaram sintomas de demência dias e semanas após o consumo do alimento.
Os sinais relatados por amigos foram os mesmos que Barbosa observou nos cavalos que criava em Guarulhos:
- Desorientação;
- Alterações de comportamento;
- Alterações no sono;
- Mudanças na locomoção.
Barbosa disse que um representante da empresa visitou o local após os relatos das mortes em maio. Segundo ele, o funcionário teria assumido a responsabilidade da fábrica e informado que a empresa tomaria as providências. Na ocasião, foram confiscados 110 sacos da ração, disse o comerciante.
“Pedi para a empresa enviar veterinários para fazerem exames, mas não retornaram. Usei remédios para desintoxicação que custam R$ 200 o frasco por dia e por animal”, disse. Nas contas de Barbosa, o prejuízo financeiro com a morte dos animais é de cerca de R$ 700 mil.
Um levantamento obtido pelo g1 contabilizou 645 mortes de animais em ao menos seis estados brasileiros (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Bahia e Alagoas).
Somente em São Paulo, são 287 óbitos em decorrência da intoxicação. Segundo o levantamento, há ainda 368 animais em tratamento e 199 em observação em todo o país.
Os dados foram coletados pela advogada Alessandra Agarussi, que representa o interesse de proprietários de cavalos infectados. Ela reuniu informações compartilhadas até esta terça-feira (1º) em um grupo no WhatsApp chamado “Vítimas da Nutratta”.
“A ração não poupou ninguém. Levou animal novo, velho, de raça, com registro, sem registro, mestiço, sem valor comercial, de valor acima de R$ 2 milhões. O caso é gravíssimo. A informação é que nunca na história deste país aconteceu uma contaminação desta magnitude”, disse ao g1.
Em maio, ela fez uma das denúncias recebidas pelo Mapa, que desencadeou na investigação da empresa. Segundo a advogada, há relatos de mortes de cachorros e bovinos, indicando que a situação pode ser ainda pior.
Substância tóxica
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2025/0/b/T1Qls9S3OdA9tbAqfcwA/whatsapp-image-2025-07-01-at-16.52.36.jpeg)
A ração da Nutrata foi contaminada com monocrotalina, uma toxina encontrada em plantas do tipo crotalária, segundo o Ministério da Agricultura — Foto: Arquivo pessoal
A ração da Nutrata foi contaminada com monocrotalina, uma toxina encontrada em plantas do tipo crotalária, segundo o Ministério da Agricultura. Essa toxina é hepatotóxica (afeta o fígado) e neurotóxica (afeta o sistema nervoso), sendo fatal para diversos animais (equinos, bovinos e suínos, entre outros)
Os primeiros casos de intoxicação surgiram em 21 de abril, no Rio de Janeiro, e a primeira morte foi registrada no dia 23 do mesmo mês em São Paulo. Os cavalos estavam aparentemente saudáveis e sem alterações clínicas evidentes. Entretanto, subitamente, começaram a apresentar sinais neurológicos agudos que evoluíram rapidamente para a morte.
Quando a toxina atinge o sistema nervoso, os animais perdem o controle de seus movimentos, ficam com a cabeça baixa e se machucam.
Segundo a veterinária Marcella Batista, não há cura para a intoxicação. Ela afirma que perdeu dois animais em um intervalo de menos de 30 dias. Os cavalos viviam em Cabreúva, interior de São Paulo, e eram alimentados com a ração há cerca de dois anos.
“Há apenas tratamento de suporte com soro e antitóxicos. A intoxicação causa alteração das enzimas hepáticas e, eventualmente, sintomas neurológicos, que podem levar à eutanásia devido ao sofrimento animal”, disse ela.
“O animal se debate, derruba tudo, entra em sofrimento absurdo. E aí tem que entrar com eutanásia”, afirmou.
Segundo ela, recomenda-se um exame das enzimas hepáticas em animais que consumiram a ração contaminada para iniciar o tratamento preventivamente.
Ofício do Ministério da Agricultura
No ofício emitido pelo Ministério da Agricultura no último dia 25, é citada uma série de falhas graves nos processos de fabricação da empresa, como:
- falta de controle e separação de matérias-primas como torta de algodão, resíduo de soja e feno;
- utilização de ingredientes não autorizados;
- ausência de rastreabilidade nos lotes produzidos.
Segundo o documento, essas irregularidades impossibilitam a identificação e a separação segura dos produtos contaminados.
Os exames foram feitos em Laboratórios Federais de Defesa Agropecuária a partir de amostras de rações coletadas em locais onde animais adoeceram e morreram.
Em nota, a Nuttrata lamentou os relatos de intoxicação e mortes e disse que vem adotando todas as providências cabíveis para mitigar os efeitos da situação, “incluindo suporte técnico aos clientes, rastreamento dos lotes envolvidos e revisão de seus processos internos” (leia nota completa abaixo).
“Não há, até o momento, conclusão definitiva quanto a eventual nexo de causalidade entre os casos relatados e os produtos da empresa. A empresa conseguiu uma liminar na Justiça Federal para restabelecer seu funcionamento quanto à atividade de produção e comércio dos produtos não destinados a equinos”, diz trecho da nota.
Investigação aberta
A Promotoria de Justiça do Consumidor de São Paulo abriu investigação no preliminar no dia 16 de junho para apurar os casos em um haras de Indaiatuba (SP), com suspeita de que a causa tenha sido a ingestão da ração Forrage Horse, da empresa Nutratta Nutrição Animal.
Segundo o MP-SP, a promotoria notificou a Nutratta para prestar esclarecimentos e apresentar documentos que comprovem o cumprimento das medidas determinadas pelo Mapa.
Também foram acionados o Conselho Regional de Medicina Veterinária e o próprio ministério para fornecerem informações sobre o caso e eventuais providências já adotadas. A empresa terá 20 dias para responder antes de a promotoria decidir se instaura um procedimento formal de responsabilização.
Procurado, o Ministério da Agricultura não retornou até a última atualização desta reportagem.
O que diz a Nutratta
Abaixo, leia a íntegra da nota da Nutratta:
“A Nutratta lamenta profundamente os relatos de intoxicação e óbitos de animais associados ao Produto Foragge Horse, da linha de nutrição animal equina, e reforça que está colaborando integralmente com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) para elucidar os fatos, inclusive recebendo os técnicos do MAPA em sua planta, fornecendo todos os documentos e informações técnicas solicitadas.
Embora as investigações do Ministério da Agricultura e Pecuária ainda estejam em curso, foi divulgada nota técnica no sentido de que as análises laboratoriais preliminares indicaram a presença da substância monocrotalina, que é produzida pela própria natureza, por plantas do gênero Crotalaria – uma leguminosa que é muito utilizada em adubação verde -, e que pode estar presente em matérias-primas de origem vegetal utilizadas em diferentes cadeias agroindustriais, tratando-se, pois, de uma fatalidade, caso isso venha a ser confirmado.
Assim, diante da situação excepcional, a Nutratta já adotou medidas adicionais de autocontrole. Entre essas ações estão o reforço das análises laboratoriais, revisão dos protocolos de qualificação de fornecedores e rastreabilidade das matérias-primas vegetais, revisão completa dos processos sanitários internos e reestruturação do layout fabril.
Por fim, a Nutratta destaca que vem adotando todas as providências cabíveis para mitigar os efeitos da situação, incluindo suporte técnico aos clientes, rastreamento dos lotes envolvidos e revisão de seus processos internos. Ressalta-se que não há, até o momento, conclusão definitiva quanto a eventual nexo de causalidade entre os casos relatados e os produtos da empresa, e que a empresa conseguiu uma liminar na Justiça Federal para restabelecer seu funcionamento quanto à atividade de produção e comércio dos produtos não destinados a equinos.
A Nutratta permanece à disposição das autoridades e da sociedade para prestar os esclarecimentos técnicos necessários, mantendo seu compromisso com a qualidade, a segurança alimentar e o bem-estar animal, valores que sempre nortearam sua atuação.”
Por G1.