Por José Florentino — São Paulo
O boi gordo que atende às exigências dos importadores chineses já não vale muito mais do que o animal destinado ao mercado doméstico brasileiro como no passado. Num cenário em que os chineses estão pagando menos pela carne bovina comprada do Brasil, o ágio, que outrora chegou a R$ 30 por arroba em São Paulo, está próximo de R$ 5 por arroba, segundo levantamento da Safras & Mercado.
A redução do diferencial e a desvalorização da carne brasileira refletem o apetite menor para compras, resultado do ritmo lento de recuperação da economia do país asiático. Indicam ainda que a China está bem servida da carne suína produzida localmente, e que é a proteína mais consumida por lá.
De acordo com a consultoria, a arroba do boi abatido com até 30 meses está sendo negociada por cerca de R$ 245, enquanto os preços dos animais voltados ao mercado interno oscilam entre R$ 240 e R$ 245 por arroba.
“Ninguém está pagando a mais pelo boi China, pois não há preço de venda e não teremos margem se fizermos isso”, afirmou uma fonte de frigorífico exportador que preferiu não ser identificada.
Fernando Iglesias, analista da Safras & Mercado, afirma que o projeto de reconstrução do plantel chinês de suínos superou as expectativas, mas gerou uma sobreoferta da proteína, afundando os produtores em uma crise de margens negativas.
O governo local tomou algumas medidas no ano passado, como estimular o abate de matrizes menos eficientes, para adequar o setor à realidade da demanda. “É preciso enxugar para permitir um aumento dos preços da carne suína e das concorrentes”, afirma.
A China começou a aumentar gradativamente as importações de carne bovina do Brasil em 2018, após o sacrifício de parte do plantel de suínos devido à disseminação da peste suína africana. A demanda foi tanta que, no auge, o mercado chinês chegou a pagar US$ 7,3 mil por tonelada em junho de 2022, valor que hoje gira em torno de US$ 4,7 mil por tonelada, sem sinais de que vá aumentar.
Mesmo com as baixas nos preços, o presidente da Associação Brasileira dos Frigoríficos (Abrafrigo), Paulo Mustefaga, afirma que a China continuará sendo o principal mercado para as exportações quando se considera também o volume importado. “Continua sendo atrativo, principalmente em relação ao mercado doméstico que ainda está patinando”, diz.
Em 2023, as exportações à China representaram 47,7% do total, ou 1,21 milhão de toneladas, uma baixa de 3% em relação a 2022. Com a queda nos preços, a receita com as exportações recuou bem mais: 28%, para US$ 5,754 bilhões.
Na avaliação de uma fonte da indústria, a China deixou de ser uma opção óbvia para os exportadores e, agora, caberá aos frigoríficos criarem estratégias para cortes e produtos diferentes.
O que pode mudar um pouco o jogo é a abertura de mercados “premium”, notadamente Japão e Coreia do Sul. O diretor da HN Agro, Hyberville Neto, afirma que o momento é favorável, já que os Estados Unidos, importantes fornecedores de carne a esses dois mercados, devem ter menos proteína para exportar em 2024, devido à redução do rebanho.
“E o outro principal exportador para eles, a Austrália, também vende para os EUA”, observa.
Segundo Mustefaga, as tratativas com a Coreia do Sul estão mais avançadas do que as com o Japão, mas um bom desempenho com os sul-coreanos pode ser um “selo” para conquistar a confiança dos japoneses. Analistas ponderam que o potencial impacto, no entanto, é limitado pelo tamanho desses países, que nem de longe se equiparam à China em termos de volume importado.
No médio prazo, o preço do boi gordo brasileiro dificilmente voltará aos patamares acima de R$ 300 por arroba, avaliam analistas. Na verdade, Iglesias acredita que as cotações podem cair um pouco mais no segundo trimestre, antes de subirem nos últimos seis meses do ano.
“Mas não estamos falando de altas explosivas. Falo em algo em torno de R$ 270 e R$ 280″, diz.
Hyberville Neto afirma que os preços do milho terão grande influência sobre a oferta de boi gordo este ano. No primeiro semestre de 2023, a relação de troca entre boi e o cereal foi a mais favorável ao pecuarista desde 2017, segundo ele, o que estimulou um aumento de produção em sistemas como o semiconfinamento.
Com uma possível redução da área da safrinha, sem falar dos riscos à produtividade, ele vê um cenário em que o milho pode limitar a oferta de gado no segundo semestre.
A oferta de bezerros também pode impedir um crescimento da produção. O diretor da HN Agro cita abates significativos de vacas nos últimos anos, além de uma redução no investimento em Inseminação Artificial de Tempo Fixo (IATF).
Yago Travagini, líder de proteína animal da consultoria Agrifatto, afirma que a produção interna tende a ficar estável este ano — crescimento estimado em apenas 0,2% —, mas sobre uma base comparativa muito alta. “Produzimos a maior quantidade de carne da história em 2023”, afirma.
Um ponto de equilíbrio que pode ser importante é a melhora da economia nacional: taxas de juros caindo, PIB crescendo acima das expectativas há três anos e o governo gastando mais, em teoria, podem dar um empurrão na combalida demanda interna, segundo Travagini.