Quando admiramos a natureza, o solo nem sempre é foco das atenções. A vegetação, as águas e a fauna quase sempre acabam roubando o nosso olhar. Entretanto, a superfície conservada é o que sustenta toda essa paisagem, sendo essencial para a biodiversidade, a segurança hídrica, a contenção de erosões e redução dos riscos de desertificação. Seu uso sustentável, com a adoção de boas práticas agrícolas, como o aumento da cobertura vegetal do solo, a adubação verde, a rotação de culturas, o plantio direto e a consorciação de culturas, aumentam a fertilidade, a resiliência, a produtividade do solo e a qualidade dos alimentos.
No entanto, precisamos trabalhar muito para conquistar esse mundo ideal. Dados de monitoramento da Universidade Federal de Goiás mostram que temos no Brasil quase 107 milhões de hectares de áreas de pastagem degradadas, sendo 38,6 milhões de hectares no Cerrado, 26,7 milhões na Amazônia, 22 milhões na Mata Atlântica, 16 milhões na Caatinga e 3,6 milhões no Pantanal.
Já o relatório Global Land Outlook, divulgado há dois anos pelo secretariado da Convenção de Combate à Desertificação da ONU, revela um retrato também pouco animador, pois aproximadamente 40% do solo do planeta estão degradados, em todos os continentes. Além disso, a projeção sinaliza que, se nada for feito até 2050, a área global deteriorada terá dimensão compatível à América do Sul. Outro destaque do estudo está relacionado à promessa dos países em restaurar 1 bilhão de hectares degradados até 2030, desafio que exige investimento de US$ 1,6 trilhão ainda nesta década. Para efeito de comparação, segundo o documento, o investimento das maiores economias do mundo é de US$ 700 bilhões anuais em subsídios para os setores de combustíveis fósseis e agricultura.
Infelizmente, as notícias difíceis não param aqui. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) avalia que a degradação da terra está afetando pelo menos 3,2 bilhões de pessoas, cerca de 40% da população mundial. Esse impacto adverso na segurança alimentar da população e dos animais tem origem na poluição do solo, reduzindo a produtividade das safras devido aos altos níveis dos agrotóxicos.
São números assustadores, mas que podem ser minimizados parcialmente por meio da chamada agricultura regenerativa, uma Solução Baseada na Natureza que busca recuperar a qualidade do solo, combater os impactos climáticos e proteger a biodiversidade, enquanto a produção de alimentos é mantida. Vale lembrar que, nos ciclos da agricultura, a superfície bem conservada necessita de menos adubação, menos irrigação e menos intervenções em geral. Por outro lado, os solos mal manejados ou degradados são menos produtivos, com menor capacidade de absorver e armazenar carbono, necessitando mais fertilizantes e podendo gerar maior emissão de gases de efeito estufa.
A degradação do solo também coloca em risco a segurança hídrica. Com a perda de vegetação, a terra reduz a capacidade de infiltração e de armazenamento de água. O desmatamento e a produção intensiva no campo tornam o solo mais compactado e exposto à chuva e ao sol. Sem a cobertura vegetal, que funciona como proteção natural, a água infiltra muito menos e escorre muito mais, provocando erosão e perda de nutrientes. Além disso, quando a água não consegue penetrar no solo, os cenários das enchentes e inundações se agravam.
Nas áreas próximas ao litoral, a preocupação dos especialistas com a conservação do solo e a erosão costeira é ainda maior. Sem os ecossistemas que protegem os aclives, com a perda de terreno, o mar começa a invadir e a danificar a infraestrutura dos municípios litorâneos. Portanto, a preservação de manguezais, restingas e recifes de corais são ações essenciais para defender o bioma marinho e a costa.
O solo bem conservado é também importante aliado na proteção das comunidades contra ressacas, tempestades, furacões e outros fenômenos extremos que devem se intensificar com as mudanças climáticas. Assim, a conservação do solo é essencial para a adaptação às mudanças climáticas. Quanto mais cuidado, mais equilibrados ficam os ecossistemas. Se o solo está protegido, a vegetação natural continua ali fazendo as suas funções, permitindo que diferentes formas de vida também se desenvolvam.
Quando o assunto é saúde do planeta e bem-estar da população, proteger e restaurar o solo significa garantir a segurança alimentar, hídrica e climática. Por isso, é preciso agir com urgência, adotando práticas sustentáveis e políticas eficazes.
André Ferretti é engenheiro florestal, gerente de economia da biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN).