Uma das culturas mais afetadas pelos problemas climáticos no Brasil foi, sem dúvida, o café. E o prejuízo não atingiu apenas produtores do grão. Com a redução da oferta, acompanhada do forte ritmo de exportações, o valor do produto aumentou consideravelmente nas gôndolas do varejo.
Em 2024, por exemplo, a bebida mais consumida pelos brasileiros subiu 46%, segundo a pesquisa ‘Variações de Preços: Brasil & Regiões’, da Neogrid. E a tendência, conforme análise de especialistas, é que o preço continue elevado.
As indústrias ainda podem repassar os consumidores até 30% de aumento nos próximos meses para transferir parte da alta da matéria-prima que ainda não foi somada ao valor comercializado, aponta a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic).
Importação de café
Com os efeitos do clima, principalmente a combinação de seca e calor em excesso atingindo as principais regiões produtoras e restringindo a produção nacional, uma alternativa cogitada seria aumentar o volume de importação para abastecer o mercado interno e, por consequência, reduzir o preço. No entanto, de acordo com Felippe Serigati, pesquisador do FGV Agro, a quantidade teria que ser muito alta para suprir a necessidade.
“Não temos de quem importar café em uma quantidade que poderia trazer algum impacto. Além disso, o preço está alto no mundo inteiro. O café é uma commodity cujo preço tem sua referência principal na cotação de Nova Iorque. Não adianta”, explica.
Países de origem
O Brasil é o maior exportador mundial de café verde, não torrado, mas também importa pequenas quantidades de grãos torrados para a composição de alguns “blends”.
Em 2025, o país comprou 970,47 toneladas de café torrado, extratos, essências e concentrados de café, número que representa crescimento de 19,4% em relação a janeiro e fevereiro de 2024, conforme dados do Comex Stat, portal do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. A Suíça, com 40%, foi quem mais enviou o produto. Veja abaixo a lista das principais origens do café importado:
- Suíça: 39%
- França: 21%
- Estados Unidos: 10%
- Espanha: 7,4%
- Itália: 7,1%
- Uruguai: 5,1%
- Portugal: 2,5%
- República Tcheca: 1,8%
- México: 1,3%
- Polônia: 1%
- Holanda: 0,63%
- Bélgica: 0,55%
- Coreia do Sul: 0,44%
- Reino Unido: 0,40%
- China: 0,087%
- Indonésia: 0,087%
- Índia: 0,057%
- Japão: 0,026%
Em relação ao café não torrado, a quantidade adquirida entre janeiro e fevereiro de deste ano foi 89,4 toneladas, redução de 54,4% em relação ao mesmo período de 2024, sendo que 96,8% é oriundo do México.
“Nós não temos problema de desabastecimento ou falta de produto. O objetivo de aumentar a importação seria tentar reduzir o preço e a inflação. O Brasil, que abastece boa parte do mercado mundial, também é um grande consumidor de café. Então, para suprir isso, quanto teríamos que importar? Não adianta poucas toneladas como esses números de 2025. Isso não faz a diferença. No mundo, não tem ninguém agora que poderia fornecer uma quantidade adequada porque, há pelo menos dois anos, a safra no planeta não vem boa”, afirma o pesquisador do FGV Agro.
A história que teve início com prejuízos na colheita de café e terminou com o preço elevado ao consumidor foi observada a partir de 2024, quando a safra do Sudeste Asiático acabou prejudicada pela ação do El Niño.
O fenômeno meteorológico caracterizado pelo aquecimento acima do normal das águas do Pacífico causou escassez hídrica e temperaturas elevadas, condições impróprias para o desenvolvimento dos cafezais no Vietnã e Indonésia, principalmente. Neste momento, o mercado mundial passou a olhar para o Brasil, maior produtor e exportador do grão.
Alíquotas zeradas
Entre as seis medidas anunciadas pelo governo federal na última quinta-feira (6/3) para diminuir o preço dos alimentos, motivo de reclamação constante pelos brasileiros, está a lista com nove produtos que terão a alíquota zerada para importação. Entre eles, o café. Veja abaixo quais são os outros produtos que terão suas alíquotas zeradas e de quanto é a tarifa atualmente:
- Azeite: 9%
- Milho: 7,2%
- Óleo de girassol: até 9%
- Sardinha: 32%
- Biscoitos: 16,2%
- Massas alimentícias (macarrão): 14,4%
- Carnes: até 10,8%
- Açúcar: até 14%
O governo também vai elevar a cota de importação do óleo de palma isenta de tarifa de importação, atualmente de 60 mil toneladas, para 150 mil toneladas, e precisa ser aprovada pela Câmara de Comércio Exterior (Camex) antes de entrar em ação.
Efeito na prática
Em relação ao café, a medida para conter a inflação foi considerada inócua pela Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel (Abics).
“Qualquer produto de origem vegetal ou animal, para entrar no Brasil, precisa passar por análise de risco fitossanitário do Ministério da Agricultura e Pecuária. Tornar a alíquota de importação de café zerada, sem ter autorização sanitária para entrar, não gera nenhum tipo de repercussão ou vantagem”, pontua Aguinaldo Lima, diretor de relações institucionais da Abics.
Felippe Serigati, do FGV Agro, reforça que a decisão de reduzir a tarifa de importação para reduzir o preço do café não funciona.
“O governo está pressionado. A inflação de alimentos incomoda porque envolve uma compra que é feita com frequência. O consumidor vê o aumento. E essa inflação de alimentos está sendo apontada como uma das principais responsáveis pela perda de popularidade. Algo precisava ser feito, mas não vai entregar o resultado esperado. Um produto que pode ter resultado é o azeite, mas ele não é de cesta básica. A grande massa da sociedade não consome azeite”, diz.
Por Daniela Walzburiech— Florianópolis/Globo Rural.