Magistrado suspende consolidação de imóvel em favor do Banco do Nordeste e reforça que o alongamento de dívidas rurais é direito do produtor em casos de frustração de safra.
Uma decisão rara e de grande repercussão para o agronegócio foi proferida nesta segunda-feira (13), pela 1ª Vara Cível da Comarca de Balsas (MA). O juiz Haniel Sostenis Rodrigues da Silva concedeu tutela de urgência em favor de um agricultor da região da Batavo, determinando a suspensão imediata de todos os atos de consolidação de um imóvel rural dado em garantia ao Banco do Nordeste.
O caso, que envolve endividamento rural, frustração de safra e irregularidades na notificação de cobrança, é considerado emblemático para produtores de todo o país. A decisão preserva a posse de uma fazenda de 549 hectares avaliada em R$ 60 milhões e garante a continuidade da produção da safra 2025/2026, evitando um prejuízo inestimável.
Safra perdida e omissão do banco
Segundo o advogado que atuou no caso, Michael Ribeiro Cervantes, o produtor rural, que cultiva grãos há mais de 30 anos na região da Batavo, em Balsas, firmou contratos de crédito rural com o Banco do Nordeste para custeio agrícola, totalizando mais de R$ 22 milhões.
Durante a colheita da safra 2024, chuvas intensas e fora do padrão climático destruíram grande parte da produção, causando o fenômeno conhecido como “soja ardida”. O agricultor protocolou, ainda dentro do prazo, um pedido administrativo de alongamento da dívida, com laudos técnicos e estudos de viabilidade, conforme previsto no Manual de Crédito Rural (MCR) e na Lei nº 9.138/1995.
Entretanto, o banco nunca respondeu ao pedido. Em vez disso, iniciou o processo de execução da garantia, notificando o suposto devedor para pagamento integral de R$ 18,1 milhões, mas com um grave erro: a notificação foi enviada para o endereço errado e recebida por pessoa diversa.
Notificação irregular e direito violado
Na decisão liminar, o magistrado reconheceu fortes indícios de nulidade no procedimento extrajudicial. De acordo com o processo, o endereço do devedor constante nas cédulas era diferente do constante na notificação.
Para o juiz, o ato fere o artigo 26, §3º, da Lei 9.514/1997, que exige intimação pessoal do devedor fiduciante, e configura “vício insanável” que compromete a validade de toda a execução.
“Os documentos demonstram, à primeira vista, que o endereço do Requerente constante nas cédulas de crédito é diverso daquele utilizado na notificação. Além da divergência de endereços, o ato foi recebido por terceiro, o que descaracteriza a pessoalidade exigida por lei”, destacou o magistrado .
O juiz também citou a Súmula 298 do Superior Tribunal de Justiça, que assegura que o alongamento de dívidas originadas de crédito rural não é uma faculdade do banco, mas um direito do produtor rural nos termos da lei.
Liminar garante posse e suspende leilão
Com base nesses fundamentos, o magistrado determinou que o Cartório de Registro de Imóveis de Balsas se abstenha de praticar qualquer ato de averbação ou leilão, e, caso a consolidação da propriedade já tenha ocorrido, que suspenda imediatamente seus efeitos até nova deliberação judicial.
A medida, segundo a decisão, é reversível e não extingue a dívida nem a garantia, mas preserva o direito de defesa do produtor e assegura a continuidade de sua atividade produtiva:
“A não concessão da liminar poderia resultar na perda definitiva do imóvel rural, bem essencial à atividade produtiva e à subsistência do Requerente”, escreveu o juiz em sua decisão.
Sinal de alerta para o crédito rural
Especialistas ouvidos pelo Canal Agro Notícias afirmam que a decisão reacende o debate sobre a postura de bancos públicos e privados frente a produtores que enfrentam eventos climáticos extremos.
“Essa liminar reforça um princípio fundamental do crédito rural: o de que o produtor não pode ser penalizado por fatores alheios à sua vontade. O banco tem dever de analisar pedidos de alongamento e não pode agir com omissão”, explica o advogado Michael Ribeiro Cervantes, responsável pelo caso.
Segundo ele, o que está em jogo não é apenas uma propriedade, mas o princípio da função social do crédito rural, que tem por finalidade manter a produção, o emprego e a renda no campo. “Trata-se de uma decisão pedagógica que deve orientar o comportamento das instituições financeiras”, completou.
O que os produtores precisam saber
O caso serve de alerta para produtores rurais que estão endividados ou enfrentaram frustrações de safra:
• O pedido de alongamento de dívida rural é um direito legal, previsto na Lei 9.138/1995 e no Manual de Crédito Rural (MCR);
• Bancos devem analisar o pedido formalmente, e a falta de resposta pode ser questionada judicialmente;
• A notificação para consolidação da propriedade deve ser pessoal, no endereço constante do contrato — qualquer erro nesse procedimento pode anular todo o processo.
Um precedente com força nacional
Embora a decisão ainda seja liminar, ela representa um marco na defesa jurídica dos produtores rurais e pode servir como precedente para centenas de casos semelhantes em todo o país, especialmente nas regiões que dependem do FNE Rural e de cédulas bancárias vinculadas à produção de grãos.
A decisão demonstra que o Judiciário está atento às práticas bancárias e que o direito à renegociação do crédito rural é instrumento de preservação da economia agrícola e da dignidade do produtor.
“Essa vitória em Balsas é, na verdade, uma vitória simbólica de todo o campo brasileiro”, resume Cervantes. “É a prova de que o produtor rural não está desamparado quando age de boa-fé e busca seus direitos.”
Por Michael Ribeiro Cervantes, advogado ruralista há 20 anos, produtor rural, sócio da Ribeiro Cervantes Advocacia Rural.