A Embrapa entregará à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), durante o Semiárido Show, de 25 a 28 de agosto, em Petrolina (PE), 467 acessos de sementes crioulas de arroz de seu Banco Ativo de Germoplasma (BAG), a serem utilizadas pela agricultura familiar dentro do programa Arroz da Gente. A entrega do material foi confirmada pela diretora de Inovação, Negócios e Transferência de Tecnologia da Embrapa, Ana Euler, em reunião com Eduardo Soares e Maria Casé, assessores da diretoria da Conab.
Segundo Ana Euler, essa é a primeira ação concreta de democratização da genética brasileira sob os cuidados da Embrapa, desde que a Empresa assinou um protocolo de intenções com o Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e a Conab para participar do Arroz da Gente.
Ela explica que a democratização da genética tem por objetivo simplificar os processos de acesso a material genético desenvolvido e conservado pela Embrapa, nos casos de interesse social e ambiental.
Péricles Ferreira, curador do BAG Arroz da Embrapa Arroz e Feijão, explicou que o acervo do centro de pesquisas tem 27 mil acessos de cultivares comerciais melhoradas e de variedades crioulas. Segundo ele, as sementes crioulas vêm sendo coletadas em todo o País desde 1977.
A Conab se encarregará de construir uma estratégia para a multiplicação dessas sementes, envolvendo povos e comunidades tradicionais, assentados da reforma agrária e guardiões de sementes, até que se consiga a quantidade suficiente para plantio por cerca de 5 mil famílias da agricultura familiar, em 210 municípios.
Como cada acesso tem apenas cinco gramas de sementes, será necessária uma sucessão de plantios para reprodução do arroz até que se consiga quantidades expressivas de cada ecotipo. Por sugestão de Ana Euler, ficou também acordada uma estratégia complementar, em que centros de pesquisa da Embrapa na região poderão participar do esforço de multiplicação.
Além da oferta de sementes, de acordo com o protocolo, a contribuição da Embrapa para o programa Arroz da Gente envolve ainda a capacitação de agricultores para produção de bioinsumos, o desenvolvimento do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) para as lavouras plantadas com sementes crioulas e ações de transferência de tecnologias de interesse da agricultura familiar e comunidades tradicionais.
Os estudos para elaboração do Zarc Sementes Crioulas e as ações de capacitação na produção de bioinsumos e de transferência de tecnologias estão sendo preparados pelos pesquisadores e técnicos especialistas.
Fora do Mapa da Fome
Ana Euler ressalta que a participação da Embrapa no programa Arroz da Gente, que visa fortalecer a produção de arroz, mas também de feijão, milho e mandioca pela agricultura familiar e comunidades tradicionais, acontece no momento em que a FAO anunciou a saída do Brasil do Mapa da Fome, já que a insegurança alimentar foi reduzida para menos de 2,5% da população.
Ela explica que isso se deve exatamente a outras políticas públicas de acesso a renda como o Plano Brasil Sem Fome, o Bolsa Família, o aumento real do salário mínimo, o fortalecimento da agricultura familiar (PAA), a alimentação escolar (PNAE) e outros, nas quais se espelha o Arroz da Gente.
A diretora lembra que o programa foi instituído a partir da crise no abastecimento de arroz em razão das grandes perdas da safra gaúcha por conta das inundações no Rio Grande do Sul no verão de 2024.
Para ela, o episódio foi um alerta claro de que não é sustentável depender em grande escala de uma única região produtora: as lavouras gaúchas de arroz irrigado fornecem cerca de 70% do arroz consumido no País.
Daí a importância de estimular a produção do arroz de terras altas no Cerrado e reativar, com tecnologias mais produtivas, a pequena produção tradicional que existia em todos os estados, como um fator de segurança alimentar das comunidades e do País como um todo.
A lição dos Krahô
Patrícia Bustamante, pesquisadora da Gerência de Inclusão Socioprodutiva e Digital, conta que o conceito de democratização da genética da Embrapa foi inspirado num incidente de insegurança alimentar sofrido pela etnia Krahô.
Segundo ela, nos anos 1980, as aldeias Krahô foram estimuladas, por políticas do governo à época, a produzir arroz em lugar do milho tradicional Pôhypej (pronuncia-se porrupei). As sementes do milho se perderam.
Duas décadas depois, as aldeias começaram a conviver com subnutrição e fome. As lideranças chegaram à conclusão que o fato se devia à perda do milho e à mudança da dieta tradicional. Em 2005, ouvindo falar da conservação de germoplasma, os indígenas vieram à Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia para saber se tinham o seu milho.
Não havia o Pôhypej dos Krahô, mas havia o dos Xavantes, que era similar. Os Xavantes autorizaram a doação do acesso. Eles levaram alguns gramas das sementes, as multiplicaram e, dois anos depois, retornaram à Embrapa com alguns quilos de sementes do milho Pôhypej, de novo agora dos Krahô, e pediram aos pesquisadores que as guardassem para eles.
Emocionada, Patrícia observa: “Eles compreenderam que era importante que mais alguém, além deles próprios, conservasse a semente para as futuras gerações”.
Por Assessoria de Imprensa.