Nos últimos anos, quem vive do campo tem enfrentado uma prova de fogo. Secas prolongadas e enchentes inesperadas acabaram com lavouras, dizimaram rebanhos e bagunçaram o fluxo de caixa dos produtores de todas as regiões do país. No meio desse vendaval, o governo anunciou a Medida Provisória nº 1.314/2025, prometendo uma saída para a renegociação de dívidas.
A MP coloca até R$ 12 bilhões do Tesouro Nacional à disposição e autoriza os bancos a usarem recursos próprios para refinanciar créditos de custeio, investimento e Cédulas de Produto Rural (CPR). A ideia é ajudar agricultores, pecuaristas, extrativistas e cooperativas que viram suas contas ficarem no vermelho depois de tantos eventos climáticos.
Quem pode participar:
Podem acessar o programa os produtores rurais e cooperativas que comprovem perda de duas ou mais safras entre 1º de julho de 2020 e 30 de junho de 2025 em razão de eventos climáticos adversos.
São elegíveis as operações de custeio e investimento rural, inclusive aquelas já renegociadas, bem como as Cédulas de Produto Rural (CPR), emitidas até 30 de junho de 2024. Outro requisito é que as dívidas estivessem em dia até essa data e, na publicação da MP, encontrassem-se inadimplentes ou prorrogadas. Agricultores familiares, médios e grandes produtores poderão participar, mas os limites de crédito e as condições de juros e prazos ainda serão definidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
As limitações do programa:
Apesar da expectativa gerada, o programa apresenta restrições significativas. O valor de R$ 12 bilhões, embora elevado em termos absolutos, cobre apenas uma fração do endividamento rural brasileiro, funcionando como um verdadeiro cobertor curto diante da dimensão do problema. Além disso, o público-alvo é extremamente restrito, já que apenas os produtores que comprovarem perdas de duas ou mais safras poderão participar, deixando de fora milhares de agricultores e pecuaristas que, mesmo sem perda climática, estão sufocados pelo aumento dos insumos, do combustível e pela queda no preço da produção.
Os critérios de participação também são excessivamente burocráticos. É necessário apresentar provas documentais das perdas e, muitas vezes, depender do decreto de emergência ou calamidade emitido pelo município. Em vários casos, mesmo diante de prejuízos evidentes, não houve reconhecimento formal por parte do poder público, o que exclui produtores que efetivamente foram atingidos. Outro ponto que merece crítica é a data de corte estabelecida: só podem entrar dívidas que estavam em dia até 30 de junho de 2024. Isso significa que quem já vinha enfrentando dificuldades antes dessa data, muitas vezes por fatores completamente fora de seu controle, é automaticamente excluído da possibilidade de renegociar.
Para completar, a MP ainda não definiu as condições de juros, limites e prazos, deixando essa responsabilidade para o Conselho Monetário Nacional. Enquanto essa regulamentação não for publicada, os bancos não podem oferecer as linhas de crédito e o dinheiro não chega ao campo. O resultado é que o programa, até aqui, continua mais próximo de uma promessa no papel do que de uma solução efetiva para a crise de endividamento rural.
O que esperar daqui para frente:
O próximo passo é a regulamentação pelo Conselho Monetário Nacional, que definirá os juros, prazos, limites e demais condições das linhas de crédito previstas. Enquanto essa resolução não for publicada, os bancos não podem operar os financiamentos e os produtores permanecem sem acesso ao recurso. Até lá, cabe aos interessados se prepararem: reunir a documentação necessária para comprovar as perdas, acompanhar a regulamentação de perto e avaliar, com cautela e orientação especializada, se a renegociação realmente será uma solução viável quando as regras estiverem em vigor.
Por Dr. Paulo Tavares de Abreu Júnior, Advogado Associado da Moraes & Associados – Advocacia Rural desde 2023, com atuação especializada em Regularização Fundiária, Ambiental e Crédito Rural.