Em meio a uma crise financeira e orçamentária, com déficit de R$ 26 milhões nas contas de 2024 e a carência de R$ 200 milhões entre o que pede e o que recebe da União para custear suas pesquisas anualmente, a Embrapa terá uma nova unidade em Mato Grosso, reduto político do atual ministro da Agricultura, Carlos Fávaro.
Nesse sábado (8/3), foi assinada a ordem de serviço para a construção das estruturas da Unidade Mista de Pesquisa e Inovação (Umipi) da Embrapa da Baixada Cuiabana, em Nossa Senhora do Livramento (MT). O Ministério da Agricultura anunciou investimentos de R$ 53 milhões para construção e ampliação de instalações, como laboratórios, campos de pesquisa, salas de capacitação, entre outras. Também será pavimentada a estrada vicinal, de cinco quilômetros, que dá acesso ao local, em convênio com a prefeitura municipal a 40 quilômetros da capital do Estado.
A criação da nova unidade denota falta de foco e sinaliza ações opostas ao que é necessário para tirar a Embrapa da crise, disse Pedro de Camargo Neto, ex-secretário do Ministério da Agricultura e membro do Grupo de Estudos Avançados de Aprimoramento do Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária, criado em 2023 por Fávaro para sugerir mudanças na gestão da estatal. “Essa inauguração é uma afronta”, afirmou.
O grupo, que entregou um extenso relatório ao ministro e ao Conselho Administrativo da Embrapa (Consad) com diversas propostas de mudanças no ano passado, tem feito críticas pesadas à gestão da estatal. Em artigo publicado recentemente, os integrantes, liderados pelo ex-presidente da empresa, Silvio Crestana, avaliam que as dificuldades são maiores do que no início das consultas feitas a eles pelo governo.
“Em plena crise financeira, planejam também ampliar três locais para novas unidades de pesquisa (…) As novas fontes de recursos ventiladas, infelizmente, não nos transmitem a necessária segurança”, escreveram no artigo. Segundo o grupo, a criação das novas unidades — a Embrapa já tem 43 espalhadas pelo país — atende a pedidos políticos.
Camargo Neto afirma que a situação da empresa regrediu. “O atual momento é crítico, pois as mudanças climáticas impõem enorme pressão em todos os setores produtivos, em especial o agrícola”, afirmou. “O orçamento geral da Embrapa, de mais de R$ 4 bilhões, está subutilizado porque faltam recursos livres para as 43 unidades atuarem. Em um momento de crise de preços, por motivos climáticos, representa um desperdício grave de recursos públicos essa inauguração”, completou.
Em nota à reportagem, a Embrapa disse que “não estão sendo criadas novas unidades descentralizadas ou centros de pesquisa novos”, mas admitiu a criação de unidades mistas, como a de Mato Grosso.
Segundo a empresa, tem sido feito esforço para fortalecer a presença nos Estados por meio de novos mecanismos de atuação, como o estabelecimento de “parcerias sólidas com entidades públicas e privadas locais, com as secretarias estaduais de agricultura e com universidades”.
De acordo com a Embrapa, essas iniciativas otimizam o uso compartilhado de infraestrutura e potencializam a implementação de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento regional.
A empresa disse ainda que reestruturou a sede em 2024 para tornar processos mais eficientes, o que gerará economia de R$ 1 milhão por ano. As unidades centrais foram reduzidas de 24 para 14 e foi criada uma corregedoria para fortalecer a promoção da ética, integridade e transparência na gestão da estatal. “Em 2025, será priorizada a revisão das agendas das unidades descentralizadas visando mais foco nas atividades de pesquisa atuais”, afirmou.
Em material divulgado nesse sábado, o Ministério da Agricultura disse que a Embrapa da Baixada Cuiabana atuará no desenvolvimento de pesquisas, validação e transferência de tecnologia voltadas para “uma região como características desafiadoras para a agropecuária, como as condições de solo, a baixa altitude e as altas temperaturas durante todo o ano”.
De acordo com a Pasta, o foco da unidade será em atividades como fruticultura, mandiocultura, piscicultura e horticultura, além de sistemas produtivos agroflorestais e a integração lavoura-pecuária-floresta.
“Essa primeira fase é a construção do centro de capacitação para essa Embrapa, onde todos são muito bem-vindos: a Fundação Mato Grosso, a Fundação Rio Verde, o Instituto Federal, a Unemat, a Universidade Federal, o Senar”, disse o ministro neste sábado.
O ministério afirmou ainda que a unidade mista consiste em um “modelo de atuação no qual há cooperação entre instituições por meio do compartilhamento de infraestrutura e recursos humanos e financeiros”.
A Pasta informou que já foram firmados protocolo de intenções com a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), o Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural de Mato Grosso (Senar-MT) para atuação no espaço.
“A disponibilidade orçamentária segue como um limitador, uma vez que o orçamento discricionário da Embrapa segue insuficiente para as atividades de pesquisa e transferência de tecnologia”, disse a empresa, em nota à reportagem.
Financiamento
Com dificuldade orçamentária para o custeio da pesquisa, a Embrapa segue em busca de novas fontes de financiamento. Entre as alternativas estão o compartilhamento com a estatal de receitas de CIDEs (Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico) já existentes, que são de competência exclusiva da União e previstas na Constituição Federal, e a destinação de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
“A Embrapa já conta com recursos privados em projetos de inovação aberta, conectados com as necessidades do setor produtivo, mas é importante esclarecer que a Empresa possui um papel de Estado, como instituição pública e científica. Por isso, nem todas as atuações da Empresa podem ser regidas por interesse comercial ou privado”, reforçou a empresa.
Segundo a estatal, ações de pesquisa que envolvem riscos e transferência de tecnologia para atender a parcelas menos favorecidas da agricultura brasileira “precisam ser realizadas com recursos públicos” para o bem da “soberania nacional” e para o “desenvolvimento econômico sustentável”.P
Por Rafael Walendorff— Brasília/Globo Rural.