Falar de georreferenciamento, ou simplesmente GEO, é uma questão comum no dia a dia do homem do campo e dos profissionais de agrimensura, agronomia, engenharia ambiental e florestal, mas afinal de contas, o que é georreferenciamento? Para que serve? Quando e como devo fazer?
A primeira coisa a compreender é que o GEO não é sinônimo de certificação; o GEO é uma técnica de medição, enquanto a certificação é um procedimento de validação ao qual os dados do GEO são submetidos perante o setor de cartografia do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
Georreferenciamento é o trabalho técnico realizado sobre uma determinada área que visa definir a sua forma, dimensão e localização, por meio de métodos de levantamento topográfico geodésico. É um instrumento adotado pelo INCRA para padronizar e regulamentar a identificação de um imóvel rural, encontrando-se regido pela Lei n. 10.267/01, e deve ser feito de acordo com as normas técnicas expedidas pelo INCRA.
Sempre convivemos com um conjunto de problemas fundiários relacionados ao registro de imóveis, que pode ser agrupado em três grandes grupos, quais sejam: os registros precários, documentos falsificados e registros deslocados ou duplicados.
O GEO literalmente amarra o registro a uma porção de solo em território nacional, assegurando que, para cada registro existente no Cartório de Registro de Imóveis, haja um pedaço de terra correspondente, eliminando paulatinamente registros surgidos com base em duplicidade, deslocamento, grilagem ou eivados de vício de precariedade.
Conforme o cruzamento de dados entre as bases do SICAR, SIGEF, CNIR, CIB, SCNR/CCIR avança, as irregularidades são identificadas e combatidas sistemicamente, com uma efetividade que o poder judiciário nunca foi capaz de implementar.
Mas e a certificação?
A certificação do georreferenciamento do imóvel rural, realizada exclusivamente pelo INCRA, é a garantia de que os limites de determinado imóvel não se sobrepõem a outros e que a realização do georreferenciamento obedeceu a especificações técnicas legais. Embora a certificação não sirva de prova ou presunção de domínio, ao menos em tese, deveria atestar que a poligonal do imóvel certificado não se sobrepõe a terras públicas (áreas indígenas, projetos de assentamento, terras públicas destinadas, unidades de conservação etc.), terras devolutas ou outros imóveis particulares já certificados.
Embora a certificação não ateste que um imóvel é particular, ela depende diretamente de sua vinculação ao cadastro do Certificado de Cadastro do Imóvel Rural (CCIR), que atualmente é liberado somente mediante prova legítima de propriedade. Isso, somado à intensa análise e inibição de cadastros no CCIR até prova de propriedade que autorize sua liberação, tem representado um mecanismo eficaz de combate à grilagem de terras.
É claro que ocorrem falhas no sistema, tanto ocasionadas pelo processamento dos dados quanto por falhas humanas ou corrupção, contudo, o sensível avanço trazido pelo georreferenciamento e a imposição da certificação é inegável.
Qual a mudança trazida pelo Dec. n. 12.689/2025?
O Dec. n. 4.449/2002 estabeleceu uma série de prazos para que o proprietário promovesse o georreferenciamento e a certificação da área, que deveriam ser obrigatoriamente cumpridos para a prática de quaisquer atos de disposição dos imóveis matrículas. Esses prazos, que variavam conforme o tamanho do imóvel, eram:
a) nos imóveis com área de cinco mil hectares ou superior, noventa dias;
b) nos imóveis com área de mil a menos de cinco mil hectares, um ano;
c) nos imóveis com área de quinhentos a menos de mil hectares, dois anos;
d) nos imóveis com área inferior a quinhentos hectares, três anos;
e) nos imóveis com área de cem a menos de duzentos e cinquenta hectares, treze anos;
f) nos imóveis com área de vinte e cinco a menos de cem hectares, dezesseis anos; e
g) nos imóveis com área inferior a vinte e cinco hectares, vinte anos.
Esses prazos foram posteriormente alterados por decretos subsequentes para:
a) cinco anos, para imóveis com área de quinhentos a menos de mil hectares;
b) oito e depois dez anos, para imóveis com área inferior a quinhentos hectares;
c) quinze anos, para imóveis com área de cem a menos de duzentos e cinquenta hectares;
d) vinte anos, para imóveis com área de vinte e cinco a menos de cem hectares; e
e) vinte e dois anos, para imóveis com área inferior a vinte e cinco hectares.
A penalidade para aqueles que não promovessem o georreferenciamento, sua certificação e sua averbação na matrícula do imóvel, seria a impossibilidade de prática de atos de transferência, desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais.
O Dec. 12.689/2025 trouxe a revogação desses prazos que obrigavam a certificação, mas sem dispensar a realização dos trabalhos técnicos de campo indispensáveis à individualização e identificação do imóvel. Ou seja, esta prorrogação adiou o prazo para certificação do georreferenciamento de todos os imóveis em território nacional, mas não a obrigatoriedade do georreferenciamento em si. O novo prazo para certificação passa a ser 21 de outubro de 2029.
Em 20 de novembro de 2025, venceria o prazo para georreferenciamento e certificação de imóveis menores do que 25 hectares, situação que contrasta com milhares de imóveis cujo prazo para promover a certificação já venceu há anos.
Mesmo que não exista uma punição direta para o descumprimento desses prazos, eles geram várias limitações para transações negociais e bancárias envolvendo essas terras. Logo, o que motivou a prorrogação do prazo é, assim como na ratificação de áreas em faixa de fronteira, uma iniciativa política do poder executivo, mas com péssimas implicações práticas.
Mas foi prorrogado o prazo para georreferenciamento dos imóveis rurais?
Não, o que foi prorrogado é o prazo para a certificação dos trabalhos de georreferenciamento. A imposição da obrigatoriedade do georreferenciamento para desmembramento, parcelamento, remembramento ou transferência de imóveis rurais, trazida pela Lei n. 10.267/2001, continua vigente, pois a alteração atingiu apenas o decreto que impunha os prazos de certificação. Seria necessária uma nova lei para alterar a imposição do georreferenciamento trazida pela Lei n. 10.267/2001.
A forma correta de realizar levantamentos descritivos de imóveis está prevista na NBR n. 17.047:2022 da ABNT, que disciplina os requisitos para levantamentos topográficos de imóveis e suas parcelas. Esta norma estabelece a obrigatoriedade do georreferenciamento para fins de registro público, razão pela qual, desde sua edição, mesmo os imóveis rurais dispensados da certificação da poligonal no SIGEF/INCRA estão obrigados a serem georreferenciados para a prática de determinados atos junto ao cartório de registro de imóveis ou notas. Nessa mesma linha, o recente Provimento n. 195/2025 do Conselho Nacional de Justiça foi taxativo quanto à impositividade do georreferenciamento de imóveis, sobretudo os rurais, para o cumprimento da especialidade objetiva perante o registro de imóveis.
Quais as consequências disso?
A obrigatoriedade da certificação contribui significativamente para o combate à grilagem de terras, bem como para a eliminação de conflitos fundiários e disputas de divisas, promovendo a correta delimitação dos imóveis particulares entre si e em relação às terras devolutas e imóveis públicos.
A obrigação de realizar o georreferenciamento e a certificação de um imóvel, tanto do ponto de vista das custas cartoriais quanto dos custos técnicos dos trabalhos necessários à sua realização, não é, de forma alguma, excessivamente onerosa ao produtor rural.
Sua dispensa, por outro lado, facilitará a transmissão, remembramento e desmembramento de imóveis com mapa e memorial fictícios, livres do crivo do INCRA, atrelados simplesmente à coragem e responsabilidade dos técnicos que vão desenvolver o serviço.
E é fato que, nessas operações, as áreas podem, inclusive, estar sobrepostas a terras públicas, devolutas, áreas indígenas, projetos de assentamento, unidades de conservação etc. E o real prejudicado? Pode acreditar, na maioria dos casos serão os terceiros adquirentes desses imóveis ou aqueles que os receberem como garantia em operações de crédito. Sinceramente, a quantidade de problemas que esse retrocesso pode ocasionar é tamanha que sequer é possível enumerar!
Assim como a prorrogação do prazo para ratificação de registros em faixa de fronteira trazida pela Lei n. 15.206/2025, a prorrogação trazida pelo Dec. n. 12.689/2025 é mais um ato político do que uma medida efetiva em prol da busca de um correto ordenamento fundiário rural, e que, a longo prazo, trará mais prejuízos do que benefícios.
Por Antônio Ribeiro Costa Neto, e consultor jurídico, professor universitário e escritor; Advogado com escritório especializado em Regularização Fundiária, em Direito Agrário e em Direito de Propriedade; Agrimensor especializado em geoprocessamento de dados; Coordenador da Pós-Graduação em Direito Imobiliário Rural da ABRADA; Membro da Comissão Nacional de Direito Agrário e Agronegócio da OAB (2022-2024); Membro Consultor da Comissão Estadual de Direito Agrário e Agronegócio da OAB/TO (2020-2021); Membro da Comissão Nacional de Direito Ambiental da Associação Brasileira dos Advogados-ABA (2021-2022); Membro da Comissão Nacional de Direito do Agronegócio da Associação Brasileira dos Advogados-ABA (2020-2021); Especialista em Direito Imobiliário-UNIP/DF;
Contato acadêmico: [email protected]















